terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Autores afro-brasileiros contemporâneos

O post de hoje será sobre dois autores negros e que escrevem sobre a condição afro-brasileira: Éle Semog e Cuti.

Éle Semog (Luiz Carlos Amaral Gomes) nasceu no Rio de Janeiro em 1952. Formou-se em Análise de Sistemas e especializou-se em Administração de Empresas. Exerceu, entre 1989 e 1996, a presidência do Centro de Articulação de Populações Marginalizadas (CEAP). Fundou, em 1984, o Grupo Negrícia - Poesia e Arte de Crioulo. Foi co-fundador do Jornal Maioria Falante, onde atuou até fins de 1991.

Suas obras individuais são: O arco-íris negro. Rio de Janeiro: Ed. dos Autores, 1979 e Atabaques (poemas, co-autoria José Carlos Limeira). Rio de Janeiro: Ed. dos Autores, 1983/1984; Curetagem (poemas doloridos). Rio de Janeiro: Ed. do Autor,1987. A cor da demanda: poesia afro-brasileira. Rio de Janeiro: Letra Capital, 1997.

Seu nome está presente em várias obras coletivas como nas antologias: Incidente normal. (poemas - grupo Garra Suburbana) Rio de Janeiro: Ed. dos Autores, 1977; Ebulição da escravatura. (poemas) Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978; Cartões e posters de poesias. (grupo Bate-Boca de Poesias) Rio de Janeiro: Ed. dos Autores, 1980; Cadernos negros 3, 4. (poemas e contos) (Org. Cuti) Cadernos negros 6 a 12. (Org. Quilombhoje). São Paulo: Ed. dos Autores, 1980, 81, 83 a 1987 e 1989; Cadernos negros 19 e 20. (poemas e contos) São Paulo: Quilombhoje: Editora Anita, 1996 e 1997; Axé - antologia da poesia negra contemporânea. (Org. Paulo Colina) São Paulo: Global, 1982.

Eis alguns poemas:

ÍNTIMO DADO (A SENHA)
Cada vez que gritam: pobre!
me assusto. Recuo ao canto
mais perto do rés do chão.
Negro, fico sem cor.
Fúria, fico sem fala.
Pois sei que as balas dos patrões,
que as balas dos políticos, da polícia
correm atrás de mim sem-terra
correm atrás de mim sem-teto
correm atrás das minhas razões,
por esses labirintos finitos
enredados de justiça e democracia,
só para eu sair nos jornais,
morto na foto, sangue vazando pelos ouvidos.
Toda vez que eles gritam: pobre!
é a tortura, é o estampido, é a vala.
É a nossa dor que tranqüiliza os ricos.
Alô rapaziada... tem de antenar o dia:
o vento que venta lá, venta cá.


DANÇANDO NEGRO
Não sou festa para os teus olhos
de branco diante de um show!
Quando eu danço há infusão dos elementos
sou razão.
O meu corpo não é objeto,
sou revolução.


OUTRAS NOTÍCIAS
Não vou às rimas como esses poetas
que salivam por qualquer osso.
Rimar Ipanema com morena
é moleza,
quero ver combinar prosaicamente
flor do campo com Vigário Geral,
ternura com Carandiru,
ou menina carinhosa/trem para Japeri.
Não sou desses poetas
que se arribam, se arrumam em coquetéis
e se esquecem do seu povo lá fora.



Cuti, pseudônimo de Luiz Silva, nasceu em Ourinhos, São Paulo, em 31 de outubro de 1951. Formou-se em Letras (Português-Francês) pela Universidade de São Paulo em 1980. Mestre pelo Instituto de Estudos da Linguagem – Unicamp, fez
doutorado na mesma Instituição. Foi um dos fundadores e membro do Quilombhoje Literatura, de 1980 a 1994, e um dos criadores e mantenedores da série Cadernos negros, de 1978 a 1993.

A obra individual do escritor é extensa e variada. Eis algumas de suas obras: Poemas da carapinha. São Paulo: Ed. do Autor, 1978. Publicou depois Batuque de tocaia. São Paulo: Ed. do Autor, 1982 (poemas); Suspensão. São Paulo: Ed. do Autor, 1983 (peça teatral); Flash crioulo sobre o sangue e o sonho. Belo Horizonte: Mazza Edições, 1987 (poemas); Quizila. São Paulo: Ed. do Autor, 1987 (contos); A pelada peluda no Largo da bola. São Paulo: Editora do Brasil, 1988 (novela juvenil); Dois nós na noite e outras peças de teatro negro brasileiro. São Paulo: Eboh, 1991; Negros em contos. Belo Horizonte: Mazza, 1996. Terramara. São Paulo: Ed. dos Autores, 1988 (peça teatral em co-autoria com Arnaldo Xavier e Miriam Alves).

Participou de várias antologias nacionais e estrangeiras, dentre elas Cadernos negros 1 a 4 (Org. Cuti) e 5 a 16 (Org. Quilombhoje). São Paulo: Ed. dos Autores, 1978 a 1993 e dos Cadernos negros de nº 18 a 27. São Paulo: Quilombhoje. Axé - antologia da poesia negra contemporânea (Org. Paulo Colina). São Paulo: Global, 1982; Reflexões sobre a literatura afro-brasileira. São Paulo: Quilombhoje, 1982 / Conselho de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra, 1985 (ensaios); A razão da chama - antologia de poetas negros brasileiros. São Paulo: GRD, 1986; Criação crioula, nu elefante branco (Org. Cuti, Miriam Alves e Arnaldo Xavier). São Paulo: Secretaria de Estado da Cultura, 1987 (ensaios); “Breve antologia temática” in O negro escrito (Org. Oswaldo de Camargo). São Paulo: Secretaria de Estado da Cultura, 1987 (poemas); Schwarze poesie - Poesia negra (Org. Moema Parente Augel). St. Gallen/ Köln: Edition Diá, 1988 (edição bilíngüe alemão/português).


MORRO
Choveu mais da conta. A casa caiu em cima da família.
Perda completa. Vivo, ele restou soterrado de
morte.
Com o tempo pensou na ressurreição, no
renascimento para longe da angústia e das lágrimas.
Casou de novo. Mas caiu, feito barro mole, sobre a
nova família. Impregnou a todos.


UM FATO
Há poetas negros
cujas palavras
tão alvas
na página se confundem
com o fundo.


PORTO-ME ESTANDARTE
minha bandeira minha pele
não me cabe hastear-me em dias de parada
um século de hipocrisia após
minha bandeira minha pele
não vou enrolar-me, contudo
e num canto
acobertar-me de versos
minha bandeira minha pele
fincado estou na terra que me pertenço
fatal seria desertar-me
alvuras não nos servem como abrigo
sem perigo
lágrimas miçangas
enfeitam o país
a iludir o caminho
em procissões e carnavais
minha bandeira minha pele
o resto
é gingar com os temporais.



Um comentário: